Envelhecer é se retirar progressivamente do mundo das aparências

Dona Valdete sempre fora vaidosa. Quando jovem esbanjava beleza com seus cabelos negros e olhos brilhantes. A cada festa, era o centro das atenções, com seus vestidos esvoaçantes e joias reluzentes. Mas o tempo, implacável como sempre, começou a deixar suas marcas. Os cabelos, antes negros, agora exibiam fios de prata. As rugas, antes imperceptíveis, agora traçavam mapas em seu rosto.

No início, a mudança a incomodava. Passava horas em frente ao espelho, tentando disfarçar os sinais do tempo. Procurava cremes milagrosos, tratamentos estéticos, tudo para recuperar a juventude perdida. Mas a cada nova tentativa, a frustração crescia.

Um dia, enquanto folheava um álbum de fotos antigas, Dona Valdete se viu. Uma jovem radiante, cheia de vida. Sorriu para a imagem, mas sentiu uma tristeza profunda. Aquela mulher já não existia mais. No entanto, ao olhar mais atentamente, percebeu algo diferente. Seus olhos, antes cheios de insegurança, agora transmitiam uma paz e uma sabedoria que a jovem não possuía.

A partir daquele dia, algo mudou dentro dela, começou a enxergar o envelhecimento sob uma nova perspectiva. As rugas não eram mais inimigas, mas histórias contadas por sua pele. Os cabelos brancos não eram um sinal de decadência, e sim, uma linda coroa que expressava a sua experiência.

Começou a se desprender das aparências. Trocou os vestidos extravagantes por roupas confortáveis, as joias por um sorriso sincero. Descobriu que a beleza verdadeira não está na juventude eterna, mas na aceitação de si mesma, com todas as suas imperfeições e com isso passou a dedicar mais tempo às coisas que realmente importavam: a família, os amigos, os pequenos prazeres da vida. Descobriu a alegria de ler um bom livro, de ouvir uma música suave, de simplesmente contemplar a natureza sem pressa.

Envelhecer era, afinal, uma jornada. Uma jornada rumo à sabedoria, à serenidade e à autenticidade, e em sua sabedoria, compreendeu que a verdadeira beleza reside na alma, e não na aparência.

A nova Dona Valdete ganhou uma nova aura de vida, era um bálsamo para todos à sua volta. Sua personalidade tranquila e acolhedora atraía as pessoas como irmãos. Os jovens, antes indiferentes à sua presença, agora buscavam seus conselhos, encontrando em sua sabedoria uma fonte de inspiração. Os amigos, encantados com sua transformação, passaram a valorizar ainda mais sua companhia.

Mas a mudança mais profunda estava dentro dela. Ao se desprender das aparências, começou a se conectar com algo mais profundo: seu propósito de vida. Aos poucos, foi compreendendo que sua jornada não se resumia em cuidar de si mesma, mas em deixar o mundo um pouco melhor.

Com essa nova perspectiva, intensificou seu trabalho voluntário. Começou a dar aulas de artesanato para crianças carentes, incentivando a criatividade e a autoestima. Organizou grupos de leitura para idosos, proporcionando momentos de alegria e companheirismo. E, em suas conversas com os amigos, sempre encontrava palavras de conforto e esperança.

A solidão, antiga companheira das tardes vazias, foi substituída por uma rica vida social. 

Em uma das oficinas na qual Dona Valdete era voluntária, após ensinar as crianças a fazer um porta-lápis com rolhas de vinho, uma das crianças, Joãozinho, levanta a mão e pergunta:

— Por que a senhora tem tantos cabelos brancos? É porque a senhora é uma bruxa?

Dona Valdete, com um sorriso divertido, responde:

— Que bom que você perguntou, Joãozinho! Os cabelos brancos são como medalhas, cada um representa uma história que vivi. E acredite, algumas dessas histórias são bem engraçadas! Mas não sou uma bruxa, não. Sou mais como uma fada madrinha, só que sem a varinha mágica.

A turma toda ri. E outra criança pergunta: 

— E a senhora sabe fazer algum feitiço? Com um sorriso largo, ela responde: 

— O meu feitiço favorito é o da felicidade. Para fazer esse feitiço, basta sorrir muito, ser gentil com as pessoas e fazer o bem. Querem tentar?

Adivinha? Todas as crianças começaram a sorrir e a fazer gestos mágicos. Cada experiência era uma nova oportunidade de aprender, de crescer e de compartilhar. 

Até que um dia, conheceu Jorge, um viúvo gentil e culto. Entre eles nasceu uma amizade profunda, marcada por cumplicidade e respeito mútuo. Ele era um homem marcado pela perda. A morte de sua esposa havia deixado um vazio imenso em seu coração. A rotina, antes vibrante, se tornou monótona. A casa, antes repleta de risos, agora ecoava o silêncio. Foi nesse cenário que a conheceu, uma mulher que emanava uma energia contagiante.

No início, Jorge via em Dona Valdete apenas uma amiga, uma companhia para os momentos de solidão. Mas, com o passar do tempo, percebeu que ela era muito mais que isso. Sua sabedoria, sua compaixão e sua fé profunda o inspiravam a cada dia. Com o tempo, essa amizade floresceu em amor, um sentimento maduro e tranquilo, livre das pressões da juventude.

Ao lado dela, ele redescobriu a alegria de viver. Começou a se interessar pelas atividades que ela participava, como os grupos de leitura e as ações voluntárias. Descobriu que ajudar o próximo era uma forma de preencher o vazio em seu coração.

Casaram-se em uma cerimônia simples, cercados apenas por familiares e amigos íntimos. O vestido de noiva, desta vez, era de um delicado tom pastel, sem brilhos ou extravagâncias. Dona Valdete estava radiante, não pela pompa do evento, mas pela felicidade que irradiava de seu coração.

A vida a dois trouxe novos desafios e alegrias. Cuidaram dos jardins, viajaram pelo mundo, e descobriram juntos o prazer da companhia mútua. Jorge, por sua vez, aprendeu com Dona Valdete a apreciar as pequenas coisas da vida, a importância da família e a beleza da aceitação.

Em seus últimos anos, Dona Valdete viveu cercada de amor e cuidados. Seu corpo enfraqueceu, mas sua mente permaneceu lúcida e brilhante. Nos momentos de silêncio, costumava dizer: “A vida é como um jardim. Na juventude, plantamos as sementes. Na maturidade, cuidamos das flores. E na velhice, saboreamos os frutos.”

Quando chegou sua hora, partiu serena, deixando para trás um legado de amor, sabedoria e um mundo um pouco mais bonito. Sua história é um convite para todos nós: envelhecer não é o fim, mas uma nova oportunidade de descobrir nosso propósito de vida e de deixar nossa marca no mundo. A verdadeira beleza reside na conexão com os outros, na busca por um sentido maior e na capacidade de transformar o mundo ao nosso redor.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.