
Hoje apresentarei a quarta e última certidão de nascimento do Brasil: a Relação do Piloto Anônimo. E já no título surge a grande questão sobre quem a escreveu. O tradutor desta versão – o professor de História Jean M. C. França – respondeu que a hipótese mais aceita é a do Professor William Greenlee que, após promover um cuidadoso levantamento dos homens alfabetizados que retornaram com a armada cabralina, asseverou ser João de Sá, escrivão da armada, o autor do texto (FRANÇA, 2020, p. 10). Mas, antes de comentarmos a primeira e famosa etapa da difícil viagem de Cabral, recorro de novo ao professor França para lembrar a missão mais importante de Cabral: realizar o que Vasco da Gama não conseguira na primeira [viagem à Índia] (1497/1498): estabelecer relações comerciais permanentes com a cidade de Calicute e firmar a presença [dos portugueses] na região (FRANÇA, 2020, p. 11). E, para facilitar a compreensão de onde ficam os lugares narrados no texto, inclui o mapa das rotas de ida (Lisboa – Porto Seguro–BA – Calicute) e de volta da esquadra de Pedro Álvares Cabral. A esquadra parou em três continentes na ida e em dois na volta. Fonte do mapa: Wikipédia. A Esquadra de 12 navios O piloto conta 12 embarcações na armada, pois desconsidera o pequeno navio de alimentos que voltou a Portugal com as cartas de Caminha e do Mestre João em 1° de maio de 1500: “O capitão prontamente despachou um pequeno navio de mantimentos, que acompanhava as doze naus da esquadra, com cartas para o Rei, relatando tudo quanto se tinha visto e descoberto (FRANÇA, 2020, p. 24).” O trecho mostra uma prova “material” da intencionalidade: o navio “correio” que levou as cartas de Caminha e do Mestre João ao rei de Portugal. Ainda mais, o piloto só contou as naus que iriam à Índia porque sabia que o pequeno navio deveria retornar a Portugal com as cartas do achamento do Brasil e, acrescento, da posse oficial da terra, tão bem narrada por Caminha. Mas, voltando à esquadra, o rei ordenou a 10 naus para rumarem a Calicute (Índia) e a duas para irem a Sofala na África (atual Moçambique) – que fazia parte do reino da Arábia na época – para também estabelecer comércio com aquele reino. Rumo ao (futuro) Brasil Assim como Caminha, o piloto também contou que uma nau se perdeu em 23/3/1500 após passar pela ilha de Cabo Verde (ver mapa). O piloto só voltou a escrever em 24 de abril (um deles errou na data, pois Caminha aponta 22 de abril). Embora a Carta de Caminha seja rica de detalhes sobre o (futuro) Brasil, gostaria de destacar que o piloto escreveu quando a armada avistou terra [isso] causou grande prazer a todos” e que” havia muita gente [nua] caminhando pela praia, armados com arco e flecha “prontos para defender aquele rio”. Bom, os portugueses capturaram dois indígenas na manhã seguinte, levaram ao navio de Cabral, mas “não conseguíamos nos entender, nem por fala, nem por gestos”. Aí surgiu um primeiro pequeno problema de comunicação da viagem com os moradores, outros bem maiores estavam por vir, noutras paragens… Mas devolveram os capturados, vestidos, à terra no dia seguinte. O piloto descreve os costumes alimentares e sociais (as redes de dormir e as casas coletivas), a missa dos portugueses, a falta de metais: “os homens da terra cortam a madeira com pedras”; as aves, como os papagaios, a abundância de árvores e a “água excelente”. Não viram animais de grande porte; os moradores eram “grandes pescadores” e os portugueses – também pescadores – sabiam do que estavam falando e o piloto até descreve um grande peixe que parecia um porco. Mas quero compartilhar outro trecho que prova a intencionalidade da parada na Bahia: “Durante os dias em que estivemos ancorados, o capitão fez saber ao nosso […] Rei do achamento desta terra e deixou nela dois bandidos, condenados à morte, que trazíamos na armada com esse propósito. […] Os dois bandidos que tinham fi cado no lugar puseram-se a chorar quando da partida, sendo consolados pelos homens da terra, que demonstraram ter piedade deles (FRANÇA, 2020, p. 24)”. Ora, o que poderia significar o trecho destacado acima, a não ser a intenção de aportar nas terras a oeste do mar Oceano [Atlântico] Sul? O piloto afirma que onze naus partiram em 2 de maio na direção da África, mas antes deveriam passar pelo temido Cabo da Boa Esperança para chegar à costa oriental daquele continente, onde estavam as ambicionadas riquezas das cidades de Sofala, Quíloa e Melinde. Mas, as próximas etapas da missão de Cabral e de seus homens serão contadas nos próximos artigos sobre a Relação do Piloto Anônimo. Até lá!
Referências: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. A Relação do Piloto Anônimo. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2020 (e-book). Disponível em: https://www.culturaacademica.com.br/catalogo/a-relacao-do-piloto-anonimo/. Acesso em: 09 fev. 2025. Wikipédia, a enciclopédia livre. Viagem de Cabral ao Brasil e Calecute (Mapa). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_%C3%81lvares_Cabral#/media/Ficheiro:Cabral_voyage_1500_PT.png. Acesso em: 09 fev. 2025.
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