O homem que plantava árvores ou do sentido de empreender esforços em educação

A obra O Homem que Plantava Árvores, escrita por Jean Giono em 1953, é, à primeira vista, uma simples fábula sobre a ação silenciosa de um homem que transforma um vale desolado em uma floresta exuberante. No entanto, sob sua narrativa concisa, revela-se uma das mais potentes alegorias sobre a ação individual, a relação entre o ser humano e a natureza, e, sobretudo, o poder da educação como processo de longo prazo, baseado no cuidado e na persistência. A figura de Elzéard Bouffier, o pastor que dedica sua vida a plantar árvores em uma terra devastada, é o ponto central do conto. Sua missão, aparentemente banal, é empreendida com constância e humildade. Bouffier não se impõe, não reivindica autoridade ou reconhecimento. Ele trabalha, apenas age, diariamente, silenciosamente, por décadas, e isto parece justificar o conteúdo do parágrafo inicial da fábula de Giono:

Para que o caráter de um ser humano desvende qualidades realmente excepcionais, é preciso ter a boa sorte de poder observá-lo em ação durante longos anos. Se essa ação é despida de todo egoísmo, se o espírito que a orienta é de uma generosidade sem igual, se é absolutamente certo que ela não buscou recompensa nenhuma e quem além do mais, deixou marcas visíveis neste mundo, então estamos, sem sombra de dúvida, diante de um caráter inesquecível (GIONO, 2019. p. 11).

A citação acima evidencia a escolha de Bouffier pela decisão em fazer, na qual a ação, ainda que discreta e desprovida de interesses pessoais ou reconhecimento imediato, possui um imenso potencial transformador. Essa ética encontra paralelo direto com a prática educacional. O ato de educar, assim como o de plantar, exige paciência, crença no potencial humano e compromisso com aquilo que frutificará a longo prazo. O educador, como Bouffier, planta sementes — ideias, valores, curiosidades — em terrenos por vezes áridos, enfrentando desigualdades, desinteresse e estruturas muitas vezes hostis e, como o protagonista do conto, muitas vezes não colhe os frutos de seu trabalho. O professor é quem disponibiliza aos alunos a oportunidade de reflexão e análise de temas, os quais não teria possibilidade ou espaço para fazer fora da escola ou no decorrer de suas vidas. Entretanto, a ausência de recompensa imediata não o desencoraja, porque compreende que o verdadeiro sentido da educação não está na recompensa, mas na transformação profunda, muitas vezes invisível, do sentido do humano.

O Homem que Plantava Árvores também evoca uma crítica implícita à civilização pós-moderna e suas estruturas de diluição. Quando Giono descreve a aridez da paisagem no início do conto — árvores mortas, aldeias abandonadas, ventos hostis —, não está apenas falando de uma degradação ecológica, mas de uma desertificação simbólica. É a ausência de vínculo com a terra, de respeito ao tempo natural, de sentido de coletividade. A floresta que Bouffier cultiva é o antídoto a esse processo. Ela devolve à terra sua vitalidade, aos homens sua dignidade e, à vida, seu ritmo. E o que seria a educação senão exatamente isso? Uma prática de resistência diante da aridez do mundo? Um esforço de reumanização? Em tempos em que o conhecimento é muitas vezes mercantilizado, transformado em produto, padronizado e mensurado por métricas de eficiência, o conto de Giono é um lembrete vigoroso da dimensão ética da educação.

A escolha de Giono por um narrador anônimo, um forasteiro que testemunha e se transforma pela ação de Bouffier, convida o leitor a também se reconhecer como observador e, potencialmente, como agente. O narrador muda após encontrar o velho pastor — torna-se alguém mais atento, mais sensível ao valor do silêncio, à potência da ação modesta. Este é, também, o efeito da boa educação: provocar um deslocamento interior, despertar uma nova maneira de olhar e estar no mundo. É notável que Giono tenha escrito esse conto no pós-guerra europeu, em um momento em que a Europa ainda sangrava física e moralmente. Ao criar Bouffier, Giono não propõe uma revolução barulhenta, mas uma revolução do espírito. Ele sugere que mesmo nas ruínas mais secas — sejam elas de pedra ou de alma — é possível plantar, fazer brotar vida. E se isso vale para a terra, vale ainda mais para o espírito humano, sobretudo por meio do processo educativo.

O Homem que Plantava Árvores não é apenas uma celebração da natureza ou da ecologia, mas um chamado à responsabilidade individual, um manifesto silencioso sobre a importância de educar — com persistência, estratégia e visão de futuro. Num mundo que busca respostas imediatas e soluções instantâneas, Jean Giono nos oferece, por meio de Bouffier, uma verdade radical e simples: trans[formar] leva tempo, e é preciso plantar hoje o que se deseja colher nas próximas gerações. Essa metáfora, portanto, extrapola o ato de plantar árvores e alcança o âmago da construção cultural e educacional. Educar é semear em terrenos incertos, muitas vezes sem garantias de que a semente germinará — mas é, sobretudo, um exercício de fé no invisível, de aposta no futuro. Ao lançar suas sementes, Bouffier não sabia quais árvores vingariam, tampouco poderia prever que sua floresta regeneraria ecossistemas inteiros e comunidades humanas.

Da mesma forma, o educador, ao compartilhar saberes, valores e práticas, trabalha em dimensões que escapam ao imediato, confiando na lenta maturação das consciências. No cenário contemporâneo, onde a velocidade e a superficialidade muitas vezes se sobrepõem à profundidade e à paciência, a história de O Homem que Plantava Árvores surge como uma convocação urgente. Em tempos de discursos que valorizam apenas resultados quantificáveis e ganhos rápidos, Giono nos relembra que os processos mais duradouros e transformadores são, necessariamente, silenciosos, discretos e persistentes. Ao fim, a ação educativa, tal qual a ação de Bouffier, é uma escolha política e poética: plantar, cuidar, resistir, confiar no invisível e trabalhar por aquilo que é maior do que nós mesmos. O educador é, por excelência, aquele que aposta no que ainda não se vê, que acredita na potência da semente, mesmo quando a terra parece seca demais para acolhê-la. Nesse sentido, o conto de Giono não apenas homenageia o ato de plantar árvores, mas celebra todos os que, silenciosamente, dedicam suas vidas a cultivar futuros.

Assim, O Homem que Plantava Árvores permanece como um texto essencial para pensar a educação em sua dimensão mais profunda: não como mera transmissão de conteúdos, mas como um gesto radical de esperança, transformação e amor pela vida.

Referência: GIONO, Jean. O Homem que Plantava Árvores. Tradução de Cecília Ciscato e Samuel Titan Jr. São Paulo: Editora 34, 2019.


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