A vulnerabilidade chega
na espera de uma consulta médica.
Chega nas correntezas de rugas
doadas pela velhice,
num domingo tedioso qualquer.
chega num abraço sem percepção
dado pela pessoa de quem você gosta,
num “eu te amo” dito distraído
ou na falta de nunca ter ouvido um.
Chega na contemplação da doença terminal,
na seção de quimioterapia,
na cirurgia cardíaca,
na comparação com a vastidão do universo,
quando morre a alegria.
Na briga familiar e você não podendo fazer nada.
A vulnerabilidade chega
quando você tranca a porta de casa para dormir à noite,
quando sai com alguém e essa pessoa não aparece,
na fé da religião, na esperança de ser ouvida uma só prece.
Nas noites de insônia,
no pedido de paciência para você mesmo,
na identificação total com o artista melancólico,
na frustração diária do despertar.
Na vitrine das lojas escondidas no olhar.
A vulnerabilidade vem
quando você fecha os olhos e percebe que nada faz sentido
e que se pergunta por que até hoje está vivo.
Salvo às vezes que percebe
que a vida humana é um objeto de fragilidade.
A vulnerabilidade chega quando vêm as dores físicas
e emocionais,
quando vemos o aumento do número de mortos
todos os dias nos jornais.
A vulnerabilidade chega
em uma solitária descansada num banco de praça
enquanto os carros vêm
e vão
tão vulneráveis quanto você.
E os pedestres atentos para não serem atropelados.
Está nas horas trabalhadas na linha de produção de uma indústria,
escravizado por um sistema injusto.
A vulnerabilidade vem quando não sabemos nem um segundo do futuro
e não podemos voltar nenhum do passado
e temos que só nos conformar com o presente.
Está nas pesadas braçadas de egoísmo e ódio
que nadamos com medo de nos afogar
para podermos chegar na margem e enfrentar
o nosso próprio espelho…
Na insegurança de ser quem somos.
Ela vem no nocaute do boxeador
caindo de costas na lona do ringue,
no batom que manchou a gola da camisa,
na corda estourada da guitarra na hora do solo,
nos olhos alagados do asilo,
na reunião de familiares ao redor de um caixão,
em um velório.
No adeus após um reencontro após anos,
na frustração de todos os planos.
Na paixão escondida,
na árvore arrancada, flor morta,
na incompreensível vontade suicida.
Na partida,
na distância,
no vomitar de uma pessoa embriagada,
nas lágrimas gritadas no escuro de um quarto.
Ela vem e nunca falha.
Transforma o forte em fraco,
o belo em feio,
o novo em velho,
o útil em inútil
de mãos dadas com o tempo.
E só se leva tempo para perceber
que a vulnerabilidade sempre esteve abraçada com você.
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