Este texto é para dialogar com você, que é pai, mãe ou qualquer outro tipo de mediador que lide com crianças e adolescentes. Há 35 anos, o Brasil deu um passo decisivo na proteção da infância e da adolescência. No dia 13 de julho de 1990, nascia o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), marco legal que reconheceu meninos e meninas como sujeitos de direitos, assegurando-lhes prioridade absoluta em políticas públicas, proteção integral e respeito à dignidade. A data inspira reflexões sobre conquistas, desafios e o compromisso coletivo com o presente e o futuro da infância brasileira, especialmente no que diz respeito à evolução dos direitos das crianças e adolescentes ao longo desses anos.
Para além dos textos jurídicos, é interessante observar como, na literatura brasileira, essa evolução do sistema de garantia de direitos se expressa em obras e personagens que retratam a realidade da infância, como nas produções de Jorge Amado, José Lins do Rego, José Mauro de Vasconcelos, entre outros autores que marcaram a literatura nacional.
Na obra Menino de Engenho, escrita por José Lins do Rego e publicada em 1932, acompanhamos a história de Carlinhos, que, aos quatro anos, perde a mãe — assassinada pelo pai, posteriormente internado em um hospício. Órfão, Carlinhos vai morar no Engenho Santa Rosa, ali, vive entre os adultos e inicia precocemente a sua vida sexual, aos doze anos de idade. No romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, lançado em 1937, é retratada a dura realidade de crianças e adolescentes pobres que vivem em um armazém abandonado em Salvador, sobrevivendo por meio de pequenos furtos e golpes. O retrato mais cru das violações de direitos aparece em Meu Pé de Laranja Lima, romance infantojuvenil escrito em 1968 por José Mauro de Vasconcelos. Zezé, o protagonista, é um garoto de cinco anos, inteligente e travesso, que vive com sua família em um bairro pobre do Rio de Janeiro. A narrativa é marcada por excessos: de agressividade, injustiça, crueldade e desrespeito. Trata de temas sensíveis como abuso infantil, espancamento, racismo, extrema pobreza, amizade, afetos e sonhos.
Ao lermos essas obras, muitas vezes somos tomados pela indignação diante do que a história brasileira fez — ou deixou de fazer — pelas suas crianças e adolescentes. Trata-se de uma luta de longa data, que exige compreensão progressiva sobre o reconhecimento dos infantes como sujeitos de direitos.
Lima, Poli e José (2017) discutem brilhantemente essa trajetória em artigo intitulado A evolução dos direitos da criança e do adolescente: da insignificância jurídica e social ao reconhecimento de direitos e garantias fundamentais A análise da evolução dos direitos infantojuvenis no Brasil destaca o modo como o Estado tratou essa questão ao longo de sua história, considerando as mudanças legais, especialmente nas políticas de cidadania e direitos humanos. Ao longo dos anos, nota-se uma convergência progressiva entre família, sociedade e Estado na proteção integral desse público, conforme previsto pelo ECA.
Segundo os autores, as crianças e adolescentes brasileiros passaram por três fases distintas em relação ao reconhecimento de seus direitos:
Primeira Fase (séculos XVI a XIX) — “Tratamento Indiferente”: Nesse período, crianças e adolescentes eram vistos como seres sem relevância, tratados muitas vezes como propriedade dos adultos, sem qualquer proteção jurídica. A alta mortalidade infantil também contribuía para uma indiferença afetiva, impedindo vínculos emocionais mais profundos.
Segunda Fase (1901 a 1950) — “Objetos de Tutela”: Na primeira metade do século XX, passou-se a considerar as crianças como objetos sob tutela do Estado. O Código Civil de 1916 e o Código de Menores de 1927 trouxeram algumas medidas protetivas, mas ainda as tratavam como sujeitos incompletos, dependentes da proteção adulta.
Terceira Fase (da segunda metade do século XX até hoje) — “Reconhecimento como Sujeitos de Direitos”: A partir da Constituição Federal de 1988 e da promulgação do ECA, em 1990, crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos plenos de direitos, com proteção integral e prioridade absoluta em políticas públicas. A Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 também foi fundamental para essa mudança.
No contexto contemporâneo, a literatura infantojuvenil surge como um poderoso instrumento de formação cidadã para dar visibilidade a temas como violência, abandono, racismo, inclusão e diversidade e também incentivar a participação social e a valorização da infância. Como sugestão a pais, educadores e à sociedade civil, há diversas obras literárias que dialogam diretamente com os princípios do ECA:
Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado: trata de autoestima, diversidade racial e identidade, dialogando com o direito à igualdade e à valorização da diversidade étnico-racial (art. 5º do ECA).
O Pequeno Príncipe Preto, de Rodrigo França: ressignifica o clássico francês com uma perspectiva afro-brasileira, promovendo representatividade, orgulho da origem e direito à identidade cultural.
A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga: aborda desejos, conflitos internos e a busca de espaço da protagonista — temas ligados ao direito à liberdade de expressão e ao desenvolvimento pleno (art. 16 do ECA).
Dentre outras autoras incríveis também podemos destacar Ana Maria Machado: Conhecida por sua linguagem poética e temas complexos, promove a imaginação e o pensamento crítico. ‘Eva Furnari: Combina humor e criatividade, estimulando a interação ativa dos leitores com suas histórias e Ruth Rocha: Com uma abordagem respeitosa à infância, suas obras incentivam questionamentos e reflexões sobre o mundo.
A literatura infantojuvenil contemporânea é fundamental para a formação de leitores críticos e engajados. As práticas pedagógicas devem valorizar a leitura como uma atividade prazerosa e significativa, contribuindo para o desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais. Apesar dos avanços legislativos, os desafios permanecem: muitas crianças ainda sofrem abandono e enfrentam a indiferença de parte da sociedade e do Estado. É essencial que as políticas públicas sejam efetivamente implementadas e que a sociedade civil participe ativamente na defesa e promoção dos direitos da infância.
O ECA pode, sim, ser inspiração para projetos literários nas escolas. É possível desenvolver propostas pedagógicas que articulem a leitura literária aos direitos de nossas crianças e adolescentes.

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