Enquanto como pipocas

Enquanto como pipocas o mundo das coisas se agita sem meu comando
E não me atento ao insignificante mando
Sobre as coisas que me escapam.
E, porque me escapam, a vida se esvai feito um rio manso e tortuoso, adulando cidades ribeirinhas, de gente que nunca vi.
Todas moram dentro de mim
Sem que eu as conheça ou saibam meus sonhos, ou desesperos.

Enquanto como pipocas,
O momento à toa, o mastigar absorto e letárgico,
Em nada me comove por indiferença desconhecida
Ao sentir sem espanto os fatos do mundo.
E o que de trágico mostra, o horror está longe, não atravessa as telas, é impalpável e não me atinge a alma ocupada ou distraída.

Enquanto como pipocas
O mundo gira em seu eixo como verdade óbvia irrefutável e segue seu giro natural como tanta obviedade absurda gira ao meu entorno.
Em seu giro indiferente há tanta homilia cínica
e humildade ácida, entre os fatos e meu gesto, um deserto árido se impõe como miragem e fronteira intransponível.

Ao mastigar das pipocas,
Que olhos meus já não veem,
Nem a boca sussurra o gemido das entranhas adoecidas e assim, como saber-me vivo por algo que toque a pele e mova a compaixão?
Eu, enredado aos fatos, estoico e inapetente ao mastigar pipocas, atento as telas e à dormência dos sentidos?
Súbito, a sensação desconfortável da imagem horrenda de pó, cacos e corpos pelos ares:
Alepo desaba sob mísseis e o pipocar de tiros, numa sinfonia bélica de gemidos humanos e sucatas de casas e ruas onde morava meu primo Youseph com esposa e filhos…
Todos mutilados e mortos!

Enquanto como pipocas,
Múltiplas linguagens diluídas entre o tédio e a
comoção passageira contraem as vísceras
com indiferença confortável.
Apesar dos fatos, o mundo gira ao redor de si,
A confraria dos cínicos pede paz e dissemina as armas.

Enquanto como pipocas,
Um barco de insanos e desamparados em fuga contrariada da pátria em bombardeio fraterno
Cruza o Egeu ansiando a pátria grega.
Uma onda impiedosa, um balanço trágico e a esperança embarcada naufraga entre gritos e silêncios.
4ª feira, Alan, refugiado sírio é encontrado de bruços, adormecido e rijo na praia de Bodrum, Turquia.
Está morto!
Mais adiante, seu irmão Ali, mais além a mãe.
Mais adiante outros.


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