Tio Luiz

Quando eu tinha sete ou oito anos, a minha família me levava na Clínica Antônio Luiz Sayão em Araras, aonde meu tio Luiz era interno. Ele tinha deficiência intelectual, mas eu nunca soube ao certo o que era. Talvez microcefalia.

Ele era irmão da minha avó Tereza e a família optou por interná-lo, porque em seus momentos de crise ficava muito agressivo. Após isso fiquei sabendo que alguns parentes o levaram para Limeira para poder cuidar dele em seus dias finais.

Tio Luiz era realmente uma personalidade, não falava uma palavra inteira sequer, mas seus sorrisos diziam muito. Estava sempre alegre, menos, quando faltavam cigarros. Só queria entender o tamanho da maldade do ser humano para ensinar uma pessoa com deficiência mental como ele a fumar. 

Minha vó sempre comentava que foi muito difícil para a sua mãe criá-lo, na roça no interior de Minas, falava que ele aprontava muito e ela não era muito conhecida por ser uma pessoa paciente, apesar de amá-lo da mesma forma que os outros filhos. Eu não tenho muitas informações sobre o seu passado, apenas os pequenos momentos que tive coragem de perguntar para ela, visto que, pela necessidade que passava, não eram lembranças agradáveis de se recordar.

Apesar disso, ela amava aquela vida e sempre se lamentou profundamente o falecimento de sua amada mãe. O mal era que as famílias, tanto por parte de pai quanto por parte de mãe, eram unidas, sempre havia algum mal-entendido, uma questão que separava e criava distância.

Tio Luiz, de uma inocência sem tamanho, era sempre sorrisos e gargalhadas. Gostava muito de café e por esse mesmo fato, minha vó sempre gostava de pontuar: bobos somos nós.

Não consigo me esquecer daquela simples marmita de domingo, geralmente uma macarronada que meu tio Vanderlei comprava para que a gente pudesse almoçar enquanto estava na visita. Me lembro vagamente daqueles imensos corredores, dos funcionários vestidos de branco, dos internos abandonados clamando por uma migalha de atenção, mas sendo sempre repreendidos, com toda tentativa de aproximação anulada, dos jardins bem cuidados e das árvores enormes que rondavam silenciosas, dos muros enormes que acabavam com as esperanças de um sentenciado ao confinamento.

O que era curioso, na verdade, era que meu avô Mario, que era uma pessoa muito temperamental e difícil de lidar. Também ia nas visitas e fazia questão que a minha avó fosse ver o irmão, às vezes até dividia o maço de cigarros com o tio Luiz. Acho que todo coração duro ainda tem bondade em seu interior. 

Seus olhos azuis como a água do mar e seu bigode característico refletia seriedade. Seu cabelo, branco como a neve, e seu jeito simples de falar, me cativava a cada história compartilhada. Eu amava realmente o meu avô. Minha mãe sempre falou que era porque eu não tinha pegado a fase ruim dele, e que a maioria das pessoas que teve contato sempre tinha uma história triste ou de medo para compartilhar. Eu, particularmente, nunca vi nada de ruim nele, gostava do apelido que ele tinha me dado Juca. Mas tudo isso seria incapaz de anular o passado desse homem, mesmo que ele tenha sido bom comigo.

Tio Luiz não deixou legado, mas pelo menos teve a oportunidade de desfrutar de uma vida simples, leve, sem preocupações, responsabilidade, metas a bater, satisfações. Nunca precisou se preocupar em como daria um jeito de pagar as contas no final do mês, ser bem-visto pelo resto das pessoas, deixar a geladeira cheia e ser socialmente aceito. Essa é uma vida de se invejar.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.