Todos os dias, antes mesmo do sol espreguiçar no céu, ela já está de pé — ou melhor, de patas — me despertando com seu miado insistente. Mel não dá trégua. E não pense você que é qualquer miado, não. É uma ópera matinal exigindo água — mas não a água da tigela, jamais. A senhora só bebe da torneira. Água corrente, de preferência gelada, como uma verdadeira rainha felina que é.
Depois do ritual da água, ela inspeciona a casa como se fosse território recém-descoberto. Sobe no sofá, escala a estante, examina as janelas. Só sossega quando vê que tudo está no seu devido lugar. Come, mas não qualquer ração — precisa ter carne. E não carne qualquer, tem que ser aquela que ela aprovou com o olhar crítico de quem parece ter trabalhado como chef cinco estrelas numa vida passada.
Mel não é só exigente. É também valente. Corajosa como poucos. Enfrenta passarinhos que ousam cantar muito alto na janela, encara cachorros do tamanho de um bezerro com a dignidade de quem jamais corre de uma batalha. Em sua postura ereta e olhar certeiro, há algo de cinematográfico. Algo… encantado.
Esses dias, me peguei olhando para ela enquanto ela dormia no muro, toda enrolada sob o sol da manhã. E, como sempre, comecei a viajar. JURO QUE VI — mesmo — ela se levantando lentamente, colocando botas de couro até os joelhos e ajustando um cinto com espada e tudo. Sim, eu vi Mel virar o Gato de Botas. Com a cauda empinada e o olhar decidido, ela saiu por aí pronta para enfrentar o mundo, salvar reinos, encantar princesas e talvez… só, talvez… roubar um peixinho de uma feira qualquer.
Mas logo voltei a mim. Ela ainda estava ali, imóvel, formando seu sol particular em cima do muro, como se todo o universo estivesse alinhado só para aquecer seu corpo. Nenhuma espada. Nenhuma bota. Nenhum reino em perigo.
Só ela, Mel, sendo o centro do nosso pequeno mundo. E, sinceramente? Já basta. Porque todos os dias, de um jeito ou de outro, ela transforma o comum em encantamento. E isso, meu amigo, nem o Gato de Botas faz com tanta classe.

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