Aniversário?

Me dei de presente a Academia Brasileira de Letras e o gabinete real de Leitura

Aniversário é sempre um momento estranho. Há quem comemore com festa, bolo, velas e aquele coral afinado de “parabéns pra você” que, invariavelmente, termina em gargalhadas. Há quem prefira o silêncio, fingir que o dia não existe e se esconder do calendário. Eu, que moro em Rio Claro, interior de São Paulo, resolvi inventar uma terceira via: me dar presentes que ninguém mais teria coragem de me dar.

No último 11 de outubro, acordei com a convicção de que, se ninguém aparecesse com embrulhos coloridos ou caixas de bombom, eu mesmo cuidaria da celebração. E não foi nada modesto. De uma só vez, me presenteei com uma viagem ao Rio de Janeiro, uma visita ao Real Gabinete Português de Leitura e, para coroar, uma visita guiada à Academia Brasileira de Letras. Quem precisa de festa surpresa ao ter a coragem de bancar o próprio presente?

A viagem em si já era um presente. Sair de Rio Claro e me aventurar até o Rio de Janeiro tem seu charme. Há algo de poético em cruzar o itinerário pelos céus voando e ver a paisagem se transformar e perceber que o destino, além de turístico, é literário. Cheguei na Cidade Maravilhosa com a sensação de que estava prestes a entrar em um livro.

O primeiro pacote que desembrulhei foi o Real Gabinete Português de Leitura. E que presente! Aquele espaço parece ter sido arquitetado por algum deus da literatura que resolveu exagerar no barroco. Estantes até o teto, livros que mais parecem guardiões seculares, e uma luz que entra pelas janelas, como se fosse cúmplice da leitura. Ali, senti que estava recebendo uma bênção silenciosa: não apenas ver livros, mas ser visto por eles.

Mas o auge dos meus presentes estava reservado para outro endereço: a Academia Brasileira de Letras. E aqui entra a parte da crônica que me diverte: quem é que se dá de presente uma visita guiada à ABL? Pois eu. Em vez de relógio novo, camisa social ou garrafa de vinho, resolvi que meu mimo seria conhecer o lugar onde os imortais se reúnem.

Chegar à ABL é como ser convidado para um banquete sem ter roupa adequada. A sensação é de que, a qualquer momento, alguém vai me perguntar qual cadeira ocupo — e eu, sem jeito, responderei: “a do assento do avião da cia. Aérea que me trouxe de Rio Claro até aqui”. O prédio imponente, inspirado no Petit Palais de Paris, me fez repensar a modéstia do meu aniversário. Enquanto alguns celebram com brigadeiros, eu estava prestes a encarar bustos de Machado de Assis e Joaquim Nabuco.

A visita guiada é uma experiência à parte. A cada sala, uma história. A cada retrato, uma lembrança de que a literatura brasileira não nasceu por acaso. E, claro, há também a pompa, a formalidade, o peso da tradição. Eu, que gosto de me ver como um leitor apaixonado, ali me senti um clandestino da literatura, um turista que ousou transformar em presente a presença no templo das letras.

Houve um instante em que parei diante da cadeira de Machado de Assis. Fiquei em silêncio, como quem ouve uma oração. Pensei comigo: “Se ele, mulato, pobre, epiléptico, ousou fundar essa casa, quem sabe eu também possa ousar escrever a minha história, ainda que do interior de São Paulo”. Foi o momento em que meu presente deixou de ser apenas uma visita e se transformou em inspiração.

Ao sair da ABL, percebi que, na verdade, havia ganhado algo maior do que um passeio. Havia recebido de mim mesmo a lembrança de que literatura não é só para os imortais. É para os mortais também — aqueles que viajam, que se dão presentes esquisitos, que fazem aniversário e que, no meio de tudo isso, encontram motivos para continuar escrevendo e lendo.

Talvez eu tenha satirizado o gesto de me presentear com uma visita à Academia Brasileira de Letras, mas, no fundo, foi o presente mais sincero que já recebi. Porque, entre todas as formas de celebrar a vida, a que mais me faz sentido é essa: aproximar-me da literatura como quem encontra um velho amigo no dia do aniversário.

E assim, entre o Real Gabinete, as ruas do Rio de Janeiro e a solenidade da ABL, aprendi que presentes não precisam vir com laços de fita. Podem vir em forma de viagem, de livros, de história e de inspiração. No próximo aniversário, não sei ainda o que vou inventar. Mas já desconfio: vai ser algo igualmente estranho, igualmente literário e, quem sabe, igualmente inesquecível.

Afinal, se é para ser imortal, que seja pela alegria de transformar a vida em crônica.


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