Jô Soares e a hipótese do humor

Eu sofri bullying na infância e adolescência, assim como tantas outras pessoas. Na época era normal e não tinha esse nome chique (a gente sempre teve a mania de dizer que qualquer anglicismo ou qualquer outro estrangeirismo é sinal de refinamento, mas isso é assunto para outro texto). Mas, voltando, eu sofri bullying por ser CDF (uma espécie de nerd ainda sem o raio gourmetizador) por ser negro, por ser magro, por existir. O bullying não vê motivos ou justificativas, simplesmente é.

Por muito tempo eu não soube como lidar com isso e só aprendi quando descobri o Jô Soares e como ele lidava com as questões relacionadas ao seu peso. Foi com ele que aprendi a rir de mim mesmo, não no sentido de deboche, pois o humor vai além disso. Humor é resistência, como diria o Paulo Gustavo e, neste caso, humor é, porque autoconhecimento, libertação. “Rir é o melhor remédio”, diz o ditado, afinal, enfrentar a vida com humor faz toda a diferença e, de fato, é o melhor caminho.

Foi com o Jô que aprendi que a única bandeira que devemos sempre portar, não importa onde estamos, é a do humor. Renato Russo cantou pouco antes de partir que queria ver a leveza das coisas com humor. O humor liberta, o humor salva, o humor cura, serve como crítica e nos faz enxergar além das possibilidades e aparências. Claro que eu falo daquele humor, digamos, saudável, que não precisa diminuir ninguém pelo simples prazer e necessidade talvez até doentia de ser engraçado. Isso aí não é humor. Bullying passa longe disso. Mas, o humor me deu ferramentas para lidar com questões que poderiam me ferir profundamente para toda a vida.

Às vezes, o fato de se utilizar o humor na vida provoca estranheza em algumas pessoas. No mundo corporativo, então, nem fala. O humor, muitas vezes, é tido como falta de seriedade e esse conceito traz consigo uma série de situações e avaliações, até mesmo que o portador de tal característica é infantil, como se só as crianças pudessem rir. Mas, na verdade, é o contrário: acredito que, usá-lo é se levar a sério, tão a sério a ponto de não se deixar abalar e entender que a situação apresentada precisa ser observada com leveza e olhar menos crítico ou determinista. Humor é, assim, uma forma de resiliência.

Foi com o Jô que aprendi a hipótese do humor, que sempre usei e uso em todas as vezes que a ansiedade se apresentou antes da apresentação de um trabalho importante na faculdade, na apresentação de algum projeto ou em qualquer outra necessidade que exige que eu saia da zona da introspecção. Aliás, uma vez até me disseram: “Mas, como você, tão reservado, vai apresentar tal coisa?”. A resposta é: “Com humor!”.

Aprender a rir do bullying que eu sofria fez a piada deixar de ter graça para os detratores. Aprender a rir do bullying que eu sofria me ensinou que uma característica poderia até provocar risos preconceituosos, mas ela era minha e chorar por uma piada relacionada a isso não fazia sentido. Aprender a rir do bullying que eu sofria fez a minha visão se abrir e entender que todos possuímos características diferentes e que podem ser alvo de chacota. Isso não significa que eu usaria uma ferramenta tão poderosa para oprimir outras pessoas, muito pelo contrário, poderia usá-lo até mesmo para invalidar algum comentário jocoso sobre alguém que estava ao meu lado.

Com a hipótese do humor, aprendi também que o espaço alheio deve ser compreendido, que ouvir o outro é parte inerente da vida, pois nem todos sabem ou aceitam que rir de si é autoconhecimento. E é o autoconhecimento que nos ajuda a compreender a vida de forma diferente, longe da visão maniqueísta do bem contra o mal, pois se a vida tem uma “terceira via”, é certamente o humor.


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