Dizem que o Brasil tem três certidões de nascimento: as Cartas de Caminha e do Mestre João Faras e a Relação do Piloto Anônimo. Mas quero apresentar outro documento: o livro “Esmeraldo de Situ Orbis”, escrito pelo geógrafo, cosmógrafo e almirante Duarte Pacheco Pereira, o mesmo que participou do Tratado de Tordesilhas em 1494, que deu aos portugueses direito às terras no sul do Novo Mundo e na África, sob os protestos de outros países. Vamos ler o que seu autor tem a nos contar!
“[…] no terceiro ano de vosso reinado do ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito donde vossa alteza nos mandou descobrir a parte ocidental passando além da grandeza do mar oceano onde é achada e navegada uma tão grande terra firme com muitas e grandes Ilhas adjacentes a ela que se estende a setenta graus de ladeza da linha equinocial contra o polo Ártico e […] do mesmo círculo equinocial torna outra vez e vai além em vinte e oito graus e meio de ladeza contra o polo Antártico e tanto se dilata sua grandeza e corre com muita longura que de uma parte nem da outra não foi visto, nem sabido o fim e cabo dela […] a oeste [.] Por trinta e seis graus de longura que serão seiscentas e quarenta e oito léguas de caminho – dezoito léguas por grau […] e findo por esta costa sobredita do mesmo círculo equinocial em diante por vinte e oito graus de ladeza contra o polo antártico é achado nela muito e fino brasil com outras muitas cousas de que os navios neste reino vêm grandemente carregados […]” (PEREIRA, 1498 APUD FRANÇA, 1991, p. 182-3 – texto adaptado à ortografia atual e grifos nossos).
Comentando a citação acima, em 1498 – no reinado de D. Manuel, o almirante Duarte Pereira partiu do porto de Belém, em Lisboa (38.68° N, 9.28° O) na direção oeste desafiando o imenso Oceano Atlântico, navegou 36° de longitude, depois rumou para norte até 70° de latitude e chegou perto da gelada Groenlândia. Depois, voltou-se para sul, chegou ao Equador (a linha equinocial), continuou para o sul até aos 28° de latitude sul, onde hoje é o litoral do Rio Grande do Sul. Ele viu que o território continuava para sul, mas encerrou sua exploração ali mesmo, talvez porque só estivesse atrás do pau-brasil que crescia na Mata Atlântica e que surgiu naquele tempo desde a linha do Equador até o Rio Grande do Sul, e, lógico, abarrotou os seus navios e os levou a Portugal! Pergunto-me quanto tempo durou essa aventura de milhares de quilômetros de Duarte Pereira.
Uma decisão estratégica
Nem Carvalho (1991) soube precisar o ano exato de conclusão do livro Esmeraldo de Situ Orbis, mas suponho que Duarte Pereira fazia uma viagem de reconhecimento a algum lugar do planeta, escrevia tudo que julgava importante durante aquela expedição e entregava uma cópia ao rei D. Manuel na volta a Portugal. Como o livro começa com o Novo Mundo, concluo que a primeira viagem de Duarte Pereira foi a de exploração de todo o litoral atlântico da América.
Um fato é certo! Para mim, quem descobriu o Brasil para Portugal foi o almirante Duarte Pereira, a mando do rei D. Manuel, em 1498. Também acredito que ao ler todas as informações sobre o Novo Mundo trazidas por Duarte Pereira, o rei agiu rápido e, estrategicamente, decidiu preparar a expedição de Pedro Álvares Cabral, com dois objetivos: tomar posse das terras a oeste, no Sul do Novo Mundo (garantidas pelo Tratado de Tordesilhas, descobertas e descritas por Duarte Pereira) e estabelecer uma rota de comércio com as Índias, a leste.
As Cartas de Caminha e do Mestre João Faras
A expedição comandada por Pedro Álvares Cabral foi a maior já feita por Portugal, com 13 navios e 1.500 homens. Vejamos alguns trechos da carta de Caminha para reforçar a tese da intenção em descobrir o local. Na página 1, em 23 de março de 1500, Caminha anotou:
“Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais! E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo (FSP, 1999).”
Como poderiam tantos navios terem se desviado da rota, como alegam alguns? É Caminha quem diz que a frota continuou seguindo seu caminho e o correto é dizer que só um navio se perdeu, o comandado por Vasco de Ataíde. Qual teria sido o destino dessa embarcação?…
Voltando à nossa rota: “E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, estando da dita Ilha [de S. Nicolau, Açores] 660 ou 670 léguas, […] topamos alguns sinais de terra (FSP, 1999)”. Sabemos que chegaram ao litoral sul da atual Bahia, hoje Parque Nacional do Descobrimento, descrito na carta de Caminha, mas é o mestre João Faras que dá a latitude do lugar:
“Senhor: ontem, segunda-feira, […] 27 de abril, descemos em terra […]; tomamos a altura do sol ao meio-dia e achamos 56 graus, e a sombra era setentrional, pelo que, segundo as regras do astrolábio, julgamos estar afastados da equinocial por 17°, e ter […] a altura do polo antártico em 17° […] (BRASIL, s.d.).”
E, na última página de sua carta, Caminha anota: “E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute (FSP, 1999).”
Pronto! Caminha revelou a intenção da escala de reabastecimento na viagem para a Índia. Portanto, pelos textos aqui analisados, sou um intencionalista porque o Brasil foi descoberto por uma ordem do rei de Portugal – descrita no início do livro de Duarte Pacheco Pereira. Enquanto em 1° de maio de 1500 um navio levou a carta de Caminha ao rei, a frota de onze navios de Cabral seguiu para Calicute, na Índia, com fatos narrados na Relação do Piloto Anônimo, tema de nosso próximo texto.
Referências:
BRASIL (s.d.) A Carta de Mestre João Faras. (Escrita em 28 de abril de 1500). Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2240. Acesso: 28 dez. 2024.
Carvalho, J. B. Esmeraldo de Situ Orbis de Duarte Pacheco Pereira. Lisboa: FCG, 1991.
Folha de São Paulo, 22 de abril de 1999. A carta de Pero Vaz de Caminha. São Paulo: FSP. Ed. Esp.
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