Dizem que anjo é alado, mas este não era.
Meu relógio marcava duas horas da manhã quando ele adentrou o quarto do Pronto Socorro, onde três pacientes aguardavam serem tratados, e mostrou, sem qualquer ruído ou marcas de asas, o que é ser anjo, de fato.
Eu acompanhava minha mãe, que estava naquele quarto por conta de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), e vi tudo. Na cama da direita, estava uma moça atropelada pela ambulância, aguardando a liberação de um quarto na Santa Casa para ser operada, já há dois dias, sem ter recebido um banho sequer.
A paciente da cama do meio, Madalena, estava ali há três dias, sem acompanhante e sem banho. As enfermeiras entravam, colocavam medicação e saiam, sem ouvir seus pedidos. De repente, um anjo entrou no quarto e em nossas vidas. Sem asas ou auréola que confirmasse seu status de anjo, alegre e eficiente, foi de cama em cama verificando soros e medicamentos, falando com carinho com os pacientes.
Sequiosos para que nos desse atenção, falamos sobre nossas dificuldades. Conversamos sobre o atendimento precário do hospital e as necessidades dos pacientes de terem aquele “tratamento humanizado” tão preconizado. Fui mais longe, contando a ele que Madalena estava ali há três dias, e ansiava por um banho.
O anjo voltou-se à paciente e lhe disse carinhosamente, que se ela tivesse comunicado o fato no fim da tarde, quando ele entrou pela primeira vez no quarto, ela já estaria banhada e cheirosa. Mas, como era noite, tudo ficava mais difícil.
Preocupado, o anjo saiu, mas logo voltou com toalhas e lençóis limpos, dizendo a Madalena: “como você vai fazer diálise logo nas primeiras horas da manhã, tem que ir bem disposta e cheirosa… Vamos agora para o banho!”
Sem titubear, abraçou a frágil paciente, ergueu-a do leito, ajudando-a a ficar em pé no chão, de frente para ele. Deu-lhe as duas mãos e, com a paciente com os pés sobre seus pés, caminhou de costas para o banheiro, pé ante pé.
Após banhar e enxugar Madalena, deixou-a sentada no banheiro, enxugando os cabelos, enquanto voltava ao quarto e rapidamente, com dedos ágeis, como fossem alados, trocou os lençóis. Retornou ao banheiro e, como na ida, trouxe a paciente de volta ao quarto, pé ante pé.
À beira da cama, pediu um “uta” à paciente, erguendo-a do chão como a uma pluma para colocar de volta na cama. Cobriu-a com todo carinho, e como veio, deixou o quarto, “voando” com suas asas invisíveis, para cuidar de outros pacientes que estavam à sua espera.
Todos nos olhamos com lágrimas nos olhos, tão grande foi a magnitude daqueles momentos. Tentamos falar, mas a voz embargada não permitiu. Então concluímos que, com certeza, anjos existem e podem não ter asas, mas têm nome. O anjo daquela noite reveladora chama-se Robson e foi enviado para levar calor e esperança aos pacientes daquele local.
Talvez com a missão de acalmar nossos corações e, ao mesmo tempo, servir de exemplo a muitos enfermeiros e médicos que abandonam os pacientes em seus leitos, sem atenção, sem o calor humano que necessitam nestes momentos difíceis e incompreensíveis que nem Freud explica. Mas que, por certo, Deus registra. (05/11/2018)
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